Caldense x Rio Branco
20 anos de muita rivalidade
Renan Muniz
O “Azulão”, como era conhecido, foi fundado em 1948 e se dedicou ao futebol amador até 1985, quando decidiu se profissionalizar. Em 86 disputou a Segunda Divisão do Campeonato Mineiro e se sagrou vice-campeão, conquistando o acesso para o módulo I de 87. Começava ali, um dos maiores embates que o futebol de Minas já viu.
Quarenta quilômetros separam Poços de Caldas de Andradas. As cidades exercem papéis importantes no Sul de Minas. Mas devido à fatores geográficos, políticos e culturais, os moradores de ambos municípios criaram um certo desafeto uns aos outros. E o futebol passou a servir como uma metáfora para definir quem era soberano na região.No final dos anos 80, a Caldense passava por momentos difíceis, pois não tinha muitos recursos para direcionar ao time. O Rio Branco vinha em ascensão, com mais investimento. Porém, para contrapor essa diferença, a Veterana continha em seu elenco inúmeros atletas nascidos em Poços, que compreendiam mais do que ninguém o real significado do clássico.E foi nesse contexto que aconteceu o primeiro confronto entre as duas equipes, no dia 15 de abril de 1987. Os jogadores desceram a João Pinheiro e, conforme se aproximavam do Ronaldão, sentiam o clima do estádio com 4836 pagantes. O frio na barriga era inevitável. Dentro dos vestiários era possível ouvir o som da torcida. A adrenalina estava a mil. O jogo foi muito disputado, mas a Veterana conseguiu marcar aos 23 do segundo tempo com Caio Cambalhota e saiu com a vitória.
A partida do returno estava agendada para 03 de junho. O time de Andradas queria de qualquer forma dar o troco. A torcida alviverde foi em peso para o Parque do Azulão e viu o Verdão abrir dois de vantagem logo no primeiro tempo, com Paulo Sereno e Juracy. O Rio Branco chegou a descontar no segundo tempo com um gol de Zil, mas não foi o suficiente. A festa estava armada. A torcida da Caldense ficou esperando o ônibus alviverde e voltou a Poços escoltando a delegação do time em uma carreata repleta de palmas e muita buzina.
A comemoração foi tão grande, que parecia valer quase que por uma década. E ironicamente, foi o que aconteceu. A Caldense amargou nove anos sem derrotar o arquirrival. Entre 1988 e 1996 o Rio Branco foi uma pedra no sapato da Veterana. Dos quatorze jogos realizados nesse período, sete terminaram empatados e os outros sete foram triunfos do Azulão. Com destaque para as goleadas por 3 a 0 em 91 e 5 a 0 em 92, as maiores do histórico dos confrontos. Depois de tanto pelejar, a quebra do tabú veio ainda em 96. A Caldense conseguiu superar o rival em uma dura vitória por 1 a 0 com gol de Gilson Batata.
No início dos anos 2000, a Veterana conseguiu emplacar uma boa sequência de jogos contra o rival, dos quais dois estarão para sempre na memória de todos os torcedores alviverdes. O antológico empate por 3 a 3 em 2002 simboliza exatamente o que era o clássico. O Rio Branco abriu o placar, mas a Caldense empatou com um golaço de Nilson e virou com Zezinho, após a bola passar pelo pé de quase todos os atletas do Verdão. O Rio Branco reverteu o resultado e no final da partida viu a Veterana empatar com Gustavinho. No returno de 2002, a Caldense ainda conquistou uma vitória heróica por 1 a 0 em Andradas com gol de Beto, que foi crucial para o título do mineiro daquele ano.
O Rio Branco havia feito uma grande campanha em 2009, se tornando campeão mineiro do interior e conquistando uma vaga para a Copa do Brasil. Inclusive, por seu estádio não possuir a capacidade mínima exigida pela federação, teve de mandar seu jogo das quartas-de-final contra o América no Ronaldão. Dessa forma, a diretoria sentiu a necessidade de um campo com capacidade maior.
O Estádio Juscelino Kubitschek pertencia à prefeitura, mas era administrado pelo time local, que investia valores consideráveis em sua manutenção. Os dirigentes então propuseram um terreno em troca da posse definitiva do estádio, o que não aconteceu. Sem uma estrutura adequada, os cartolas do Azulão decidiram portanto cessar as atividades do futebol profissional. Depois de 27 jogos entre Caldense e Rio Branco, o fim da rivalidade estava decretado. Foram 10 empates, 7 vitórias da Veterana e 10 do Azulão.
Quis o destino que aquele jogo em 2007 fosse o último confronto entre as equipes, sem nenhum vencedor. Porque ao final das contas, quem vencia ou perdia não era o mais importante. As coisas que orbitavam a rivalidade era o que realmente importava. Pois ali morria um pouco o brilho nos olhos de cada torcedor, acabava a expectativa, as brincadeiras, a alegria do povo de Poços de Caldas e de Andradas. Era o fim de uma era.
Caldense x Vulcão
Da rivalidade à parceria
Renan Muniz
A Caldense vivia um momento conturbado devido ao seu descenso para o Módulo II. Seus torcedores estavam em descrédito com o time. O Vulcão surgiu com um trabalho de marketing muito forte, com uma proposta diferente, de ser “o time do povo”. Isso fez com que muitos simpatizantes da Veterana migrassem para o Poços de Caldas.
Já em sua primeira competição, a Segunda Divisão do Mineiro de 2007, o Vulcão se beneficiou com o aumento de vagas para o Módulo II devido à desistência de alguns times e conquistou seu acesso. Ironicamente, a equipe estreou na competição no dia 07 de setembro, data do aniversário de 82 anos da Veterana. Como a Caldense tinha caído de divisão, o ano de 2008 prometia colocar frente a frente as duas equipes.
Criou-se uma expectativa muito grande na cidade para o duelo. Os torcedores ficaram divididos. E curiosamente, quando a tabela do campeonato foi divulgada, adivinha qual era o jogo de estreia? Justamente o que todos estavam esperando: Caldense x Vulcão, dia 24 de fevereiro no Ronaldão. Havia chegado a hora de medir as forças. Afinal, quem levaria a melhor? A tradicional Veterana ou a nova filosofia laranja e preta?
O Estádio Municipal ficou lotado. A partida seria transmitida ao vivo pela TV Poços e pelas rádios locais. Inúmeras pessoas se reuniram em bares para assistir ao jogo. Nas arquibancadas as torcidas faziam uma linda festa. Bandeiras, sinalizadores e muita fumaça verde e laranja enfeitavam o Ronaldão. Mas dentro de campo ambos lados tinham boas oportunidades. A Caldense inclusive chegou a acertar o travessão adversário. Aos 43 minutos da primeira etapa, o meia do Verdão, Barrinha, cobrou uma falta pela ponta direita de ataque, alçando a bola na área. Ninguém foi para a jogada, a bola passou direto e entrou. Era o primeiro gol da história do dérbi.
No segundo tempo a equipe alviverde tinha o controle do jogo, mas o Vulcão levava perigo com os chutes de fora da área. Aos 35 minutos, em um jogada muito rápida da Veterana, o volante Maxsuel teve uma bela oportunidade, não desperdiçou e marcou o segundo. Frustrada, a torcida do Poços de Caldas começava a deixar o estádio, enquanto a alviverde vibrava intensamente e comemorava o resultado final: 2 a 0. O regulamento da competição previa que o returno tivesse a ordem dos confrontos invertidas em relação à primeira fase. Por isso, Caldense x Vulcão voltariam a se enfrentar somente na última rodada do campeonato.
Os times seguiam seus caminhos em realidades distintas. O Vulcão fazia uma campanha modesta, enquanto a Veterana tinha chances reais chances de retornar ao Módulo I. Na penúltima rodada a Caldense precisava pontuar contra o Itaúna fora de casa para depender somente dela na rodada final, mas teve um gol legítimo anulado pela arbitragem e acabou sendo derrotada por 1 a 0. O Verdão entrou em campo na última rodada dia 25 de maio precisando vencer o Vulcão e torcer para o Uberlândia não superar o União Luziense. A equipe alviverde fez sua parte, passou pelo rival por 3 a 0, com dois de Pedro Paulo e um de Ademir, mas não conseguiu o acesso, pois o Uberlândia também venceu.
A temporada de 2008 serviu como aprendizado para ambas as equipes do Sul de Minas, que se planejaram melhor para o ano seguinte. A Caldense começou o campeonato de 2009 de forma arrasadora e chegou invicta à oitava rodada no dia 08 de março para enfrentar o Vulcão, que vivia momentos de altos e baixos. A Veterana abriu o placar com um belo gol de calcanhar de Luiz Eduardo, que marcava pela primeira vez com a camisa alviverde. Em seguida ampliou em uma cobrança de falta do lateral esquerdo Raniery, que desviou na barreira e tirou qualquer chance de defesa do arqueiro adversário, dando números finais à partida, 2 a 0.
Parecia mentira, mas o clássico que tanto movimentava o cenário esportivo em Poços de Caldas, por mais que ninguém imaginasse, chegava ao seu último capítulo, exatamente no dia 1º de abril. A Caldense inaugurou o marcador no primeiro minuto de jogo com um gol de peixinho de Walderi. Logo em seguida, viu Renatinho levantar a bola na área e Wellington Simião marcar o primeiro e único gol do Vulcão na história do duelo. A Veterana tomou a frente no placar com um gol de Luiz Eduardo de cabeça e no final ampliou com o lateral direito Rodrigo Dias. A torcida alviverde não perdoou. Deixou o estádio gritando: “Ei Alemão, ensina o Marcão”, em uma brincadeira com o ex-jogador da Caldense Marcus Vinícius, que treinava o Vulcão.
Ao final das contas a Caldense se consolidou como uma das forças daquela competição e conquistou o almejado retorno ao Módulo I. Já o Vulcão enfrentou algumas dificuldades e terminou na nona colocação. A rivalidade dentro de campo acabava ali, mas fora de campo seguia firme. A Caldense colocou uma placa em seu centro de treinamentos dizendo: “Esta casa é de primeira divisão”. Os torcedores se alfinetavam, faziam brincadeiras e pegavam no pé de alguns jogadores que eram identificados com os dois times, como Paulista, Souza, Renatinho, Rodolfo e Simião.
O ano de 2010 começou com realidades diferentes, a Caldense vinha com a promessa de se firmar na divisão principal enquanto o Vulcão queria mais do que nunca conseguir o tão sonhado acesso. Mas já na pré-temporada um fato curioso aconteceu. O Poços de Caldas Futebol Clube havia apalavrado a contratação do goleiro Alisson, que chegou à cidade para se apresentar no CT Cratera do Vulcão, mas pegou o endereço errado e acabou batendo na porta do Ninho dos Periquitos. Jânio Joaquim, então Gerente de Futebol da Caldense, tomou conhecimento da situação e contratou o goleiro, deixando o Vulcão na mão.
A temporada seguiu e o Vulcão chegou muito perto de subir de divisão, restando apenas um ponto. Em contrapartida a Veterana conseguiu se manter na primeira divisão. Daí em diante a rivalidade esfriou um pouco. Os times seguiram seus caminhos. Porém, em 2013, o Vulcão enfrentou uma série de problemas de ordem financeira devido à uma parceria mal sucedida com um empresário e teve de decretar o fim das suas atividades relacionadas ao futebol profissional.
A Caldense então voltou a ser o único clube da cidade. Continuou com sua tradição e viveu grandes momentos. Foi vice-campeã mineira em 2015 com uma campanha invejável e disputou competições nacionais como a Copa do Brasil e o Campeonato Brasileiro da Série D. Entretanto, no final de 2016 começaram a surgir boatos de que o Vulcão poderia retomar suas atividades, e isso se concretizou no início de 2017. O time foi comprado por empresários de São Paulo para trilhar um novo caminho.
Com diretorias e mentalidades diferentes, os clubes que eram arquirrivais se tornaram parceiros. Exatamente dez anos após o início da rivalidade, a Caldense gentilmente cedeu os atletas Lazarini, Matheus, Tharsus e Carlinhos para integrar o elenco do Vulcão, visando a disputa da segundona de 2017. Posteriormente, para a temporada de 2018, A Veterana contratou inúmeros atletas que estavam na equipe laranja e preta.