Há exatos 10 anos, em 26 de abril de 2009, a Caldense festejava seu retorno à elite do futebol mineiro. Quando o árbitro apitou o final da vitória sobre o Valeriodoce de Itabira por 2 a 0, a nação alviverde não só comemorou o ascensão ao Módulo I, com uma campanha primorosa, como também passou a acreditar que bons frutos viriam nos próximos anos.
Através do suor e esforços dos “Heróis do Acesso”, como diz a placa colocada no CT Ninho dos Periquitos em homenagem aos que contribuíram com a campanha, a Veterana pôde alcançar outros feitos, como participações constantes na Copa do Brasil, Série D do Campeonato Brasileiro e o histórico vice-campeonato Mineiro em 2015.
O time de 2009 deixou saudades. Não só pelo resultado final da campanha, mas pela garra dos jogadores, a identificação com a torcida, as boas apresentações, a rivalidade com o Vulcão e as grandes vitórias. Quem não se lembra da escalação de cor? Fernando, Pepe, Flamarion, Fábio Paulista, Raniery, Maxsuel, Nenê Miranda, Ewerton Maradona, Luisinho, Walderi e Luiz Eduardo. Era um timaço.
Foram 22 jogos: 12 vitórias, 7 empates e apenas 3 derrotas. O Verdão marcou 43 gols e levou 19, sendo o melhor ataque e a defesa menos vazada da competição. A equipe alviverde só não levou o título devido aos critérios de desempate, somou os mesmos 43 pontos do campeão Ipatinga, mas teve uma vitória a menos.
Os autores dos gols da Caldense foram: Walderi (8 gols), Luiz Eduardo (7 gols), Luizinho (6 gols), Fábio Paulista (5 gols), Ewerton Maradona, Raniery e Carlão (3 gols), Leandro Bocão e Gustavinho (2 gols), Maxsuel, Rodrigo Dias, Flamarion e Paulo César (1 gol).
Em comemoração aos 10 anos da campanha, vamos relembrar a trajetória da equipe. Com a retrospectiva jogo a jogo, curiosidades e informações que prometem trazer muitas lembranças aos torcedores e enaltecer grandes profissionais que honraram as cores verde-branca.
A queda em 2007
Como todo acesso, a história começa de maneira trágica, com o descenso. No Campeonato Mineiro de 2007, a Veterana iniciou sua trajetória de maneira promissora. A equipe estreou com vitória frente ao Democrata de Governador Valadares, perdeu para o Ipatinga e venceu o América-MG. Depois acumulou três empates seguidos, frente a Ituiutaba, Atlético-MG e o arquirrival Rio Branco de Andradas. Com 9 pontos na sexta rodada, as coisas pareciam ir bem, até que o time sofreu cinco derrotas seguidas, caiu para a penúltima posição na tabela e amargou o segundo rebaixamento de sua história (o primeiro havia sido no estadual de 1984).
O resultado gerou uma crise no clube e deixou a torcida desacreditada. “A gente teve que fazer um recomeço, as coisas levaram um tempo para se encaixar. Na época o Jânio Joaquim era o gerente de futebol e estava com a saúde debilitada, comandava o departamento de futebol praticamente sozinho. Por eu ser o capitão da equipe, ele conversava muito comigo e me pedia para conversar com os outros atletas para motivar os jogadores. Foi um dos piores períodos da história da Caldense, o clube havia perdido a credibilidade e os torcedores estavam divididos com o Vulcão, que havia acabado de ser criado na cidade” – lembra o então capitão Fábio Paulista.
2008: Primeira tentativa do acesso
A missão da diretoria alviverde não era fácil. O time teria que superar diversas adversidades para retornar à elite. Viagens longas, campos ruins, recursos escassos, dificuldades em conseguir patrocinadores. Mas mesmo assim, um grupo vencedor começava a se formar. Em 2008, na primeira tentativa em retornar ao Módulo I, o objetivo quase foi alcançado. A Caldense brigou pelo acesso até a última rodada e só não atingiu a meta devido a um gol mal anulado contra o Itaúna.
“O nosso time estava muito bem tecnicamente nessa partida contra o Itaúna. O campo deles era pequeno, gramado ruim, então o jogo foi nivelado por baixo. No finalzinho da partida o Renato Santiago fez um gol legítimo de cabeça, mas o árbitro anulou o gol alegando falta no lance. Por fim acabamos perdendo por 1 a 0. Na rodada seguinte, que foi a última, conseguimos vencer, mas não dependíamos só de nós e acabamos ficando em terceiro lugar, o Uberlândia conseguiu o acesso juntamente com o América-MG. Ficamos a 1 ponto da classificação. Se aquele gol não tivesse sido anulado, teríamos empatado o jogo e conseguido o acesso” – lembra o volante Maxsuel.
A pré-temporada de 2009
Entretanto, essa experiência serviu de aprendizado para a equipe, que manteve a base de atletas e se reforçou para a temporada seguinte. Foram mantidos nomes como o goleiro Fernando, o zagueiro Fábio Paulista, os volantes Maxsuel, Nenê Miranda e Xandinho, o meia Ewerton Maradona e muitos outros. Chegaram peças que viriam a ser importantes, entre elas Luisinho, Walderi, Raniery e Luiz Eduardo.
A pré-temporada teve início no final de novembro de 2008. A equipe realizou uma série de jogos-treino para obter ritmo de jogo e entrosamento. Venceu três e empatou dois. Mogi-Mirim 2 a 1, Brasilis 4 a 2, Independente de Limeira 3 a 1, União Barbarense 0 a 0 e Itapirense 0 a 0.
O campeonato era composto por 12 equipes. O regulamento assinalava pontos corridos, com jogos de ida e volta. Os dois primeiros ganhavam o direito a disputar a divisão principal em 2010. A competição foi repleta de equipes tradicionais que lutavam pelo tão sonhado acesso. URT, Ipatinga, Democrata-SL, Araxá, América-TO e muitas outras. A questão era, quem iria alcançar o objetivo?
Estreia
Na estreia do campeonato, em 11 de fevereiro, a Caldense empatou com o Valeriodoce em Itabira por 1 a 1. Depois venceu o Funorte em casa por 2 a 0. Na semana após a partida, o técnico Nedo Xavier foi desligado do clube, pois parte do elenco não estava satisfeito com sua metodologia de trabalho. O então auxiliar técnico Nelson Simões, zagueiro campeão mineiro em 2002, assumiu a equipe interinamente para a rodada seguinte contra o Itaúna no Ronaldão.
A Veterana saiu na frente com dois gols de Fábio Paulista e depois levou o empate. O primeiro gol surgiu aos 17 minutos, em escanteio cobrado pela direita. O capitão subiu mais do que todo mundo e testou de cabeça para o fundo das redes. O segundo, aos 37 do 1º tempo, veio em cobrança de pênalti, com categoria no canto baixo do goleiro. Esses tentos fizeram com que Fábio se tornasse o único zagueiro da história da Caldense a marcar duas vezes no mesmo jogo.
Novo comandante
Para a rodada seguinte, assumia como treinador da equipe um velho conhecido: Alemão. Sebastião Carlos Brandão Alvarenga, seu nome real, havia defendido as cores verde-branca como volante em 1994 e teria a missão implantar sua filosofia no grupo. Deu certo. Logo na sua primeira partida, goleou o Democrata em Sete Lagoas por 4 a 0. Na sequência empatou em casa por 0 a 0 contra o Araxá.
A Veterana passou a se preparar para encarar em Poços o então líder América de Teófilo Otoni. A equipe começou o jogo apática e logo levou dois gols. Porém, ainda no final da primeira etapa, iniciou a reação com golaço de Luisinho, que bateu colocado de canhota da entrada da área, no ângulo. No segundo tempo Raniery empatou em linda cobrança de falta e Maradona fez o gol da virada após bola alçada na área.
O clássico com o Vulcão
Aos poucos o time ia se encaixando, ganhando forma e padrão tático. Em mais uma bela apresentação, fez 3 a 1 na URT em Patos de Minas e passou a se concentrar para um dos jogos mais aguardados da competição. O clássico contra o Vulcão. A equipe laranja e preta fora fundada em 2007 e estava em ascensão na cidade. No ano anterior, os clubes mediram forças duas vezes e a Caldense venceu ambas, por 2 a 0 e 3 a 0. Porém, desta vez, o adversário queria que as coisas fossem diferentes. Mas não teve jeito. A Veterana abriu o placar com um belo gol de calcanhar de Luiz Eduardo e ampliou em uma cobrança de falta do lateral esquerdo Raniery, que desviou na barreira e tirou qualquer chance de defesa do arqueiro adversário, dando números finais à partida, 2 a 0.
“Era um clássico desproporcional, a Caldense tinha muito mais tradição, estrutura e tudo mais. Mas criou-se essa rivalidade por serem equipes da mesma cidade. Apesar de ser um jogo ferrenho, era uma rivalidade sadia. A torcida comparecia dos dois lados e fazia muita festa. Tinha fumaça verde, fumaça laranja. Nessa partida marquei meu primeiro gol pela Veterana. O Raniery cruzou a bola e consegui dar um toque muito bonito de calcanhar” – recorda o centroavante Luiz Eduardo.
A liderança
Com o resultado, o Verdão embalou e assumiu a ponta da classificação. Entretanto, o próximo adversário era o Ipatinga, que vinha logo atrás, na segunda colocação. A Veterana até saiu na frente e criou boas oportunidades, mas acabou conhecendo sua primeira derrota na competição: 2 a 1. Além disso caiu para o segundo lugar na tabela. O time permaneceu no Vale do Aço, onde encarou o Ideal no próprio Ipatingão. Mesmo tendo ausências importantes de três jogadores suspensos por cartões amarelos, conseguiu vencer pelo placar de 2 a 1.
Na última rodada do primeiro turno, a Caldense passou pelo Formiga com gol do zagueiro Flamarion, no início da etapa complementar. Já na abertura jogo do returno, novamente contra o Formiga, a Veterana comemorou o empate em 2 a 2 fora de casa, que teve gosto de vitória, já que o time estava perdendo por 2 a 0 até os 25 minutos do segundo tempo e conseguiu igualar o marcador. A torcida alviverde marcou presença no estádio Juca Pedro e assistiu ao jogo em harmonia misturada com os torcedores locais.
Goleada
De volta à Poços, o Verdão não tomou conhecimento do Ideal e aplicou sonoros 6 a 0. A goleada foi o placar mais elástico do estadual e se consolidou como a terceira maior já feita pela Veterana em sua história, atrás apenas do 8×0 contra a Paraisense em 1980 e o 7×0 sobre a União Tijucana em 1974. O setor ofensivo mostrou a sua eficiência e todo mundo marcou. Walderi e Luiz Eduardo fizeram dois, Luisinho deixou sua marca e, já nos acréscimos, o atacante Gustavinho, um dos pilares do time campeão em 2002, anotou seu último tento com a camisa alviverde.
A disputa com o Ipatinga
Após a apresentação de gala, o grupo passou a focar no “jogo dos líderes” contra o Ipatinga. As duas equipes dividiam a ponta da tabela e quem vencesse ficaria à frente de maneira isolada. Em um duelo muito disputado, a Veterana abriu o marcador com Luiz Eduardo, mas o Ipatinga empatou em seguida. Ainda no primeiro tempo Walderi e Carlão ampliaram para o Verdão. Porém como naquela época os jogos eram às quartas e domingos e o time vinha de uma sequência forte, a Veterana sentiu a parte física no segundo tempo e cedeu o empate.
“Embora não tenhamos vencido, esse jogo foi muito marcante pelo futebol apresentado pelas equipes. Foi uma noite chuvosa, com muita briga dentro de campo. Não podia ser diferente, já que eram os dois melhores times do campeonato brigando pela liderança. Chegamos a abrir 3 a 1, mas o Ipatinga pressionou bastante e conseguiu empatar. Foram vários jogos memoráveis em 2009. Nosso time fazia muitos gols, jogava compacto e era muito unido” – conta o camisa 10 Ewerton Maradona.
Mais uma vitória sobre o rival
Em seguida, a Caldense voltou a enfrentar o Poços de Caldas Futebol Clube, naquele que viria a ser o último confronto entre as equipes. O Verdão inaugurou o marcador no primeiro minuto de jogo com um gol de peixinho de Walderi. Logo em seguida, viu Renatinho levantar a bola na área e Wellington Simião marcar o primeiro e único gol do Vulcão na história do duelo. A Veterana tomou a frente no placar com um gol de Luiz Eduardo de cabeça e, no final, ampliou com o lateral direito Rodrigo Dias, venceu por 3 a 1 e voltou a assumir a liderança. A torcida alviverde não perdoou. Deixou o estádio gritando: “Ei Alemão, ensina o Marcão”, em uma brincadeira com o ex-jogador da Caldense Marcus Vinícius, que treinava o Vulcão.
Sabendo da competência do setor de ataque alviverde, a URT armou um forte sistema defensivo para tentar segurar a Veterana. O time de Patos de Minas teve uma penalidade a seu favor, mas o goleiro Fernando fez grande defesa para fechar a meta. Mesmo tendo dificuldades em criar, o Verdão conseguiu estufar as redes com Luiz Eduardo de cabeça e Maxsuel após rebote da defesa, em jogada de escanteio, para se manter na liderança.
Seguindo na competição, a Veterana enfrentou longa viagem para encarar o América-TO, equipe que estava na briga pelo acesso e foi superada por 1 a 0, com gol de Jonatas Obina, que viria a ser o artilheiro do campeonato com 12 gols. Posteriormente o Verdão empatou fora de casa em 1 a 1 com o Araxá e foi ultrapassado pelo Ipatinga na disputa pela liderança. Entretanto, frente ao Democrata, as boas atuações voltaram e a equipe conquistou mais uma vitória, desta vez por 2 a 0 e reassumiu a ponta.
O acesso fica próximo
Restavam três jogos para o fim do campeonato. A Veterana poderia garantir matematicamente o acesso caso vencesse o Itaúna e o América-TO tropeçasse contra o Funorte. O tão almejado retorno à elite estava próximo. A ansiedade era imensa, isso pesou dentro de campo e o Verdão perdeu por 1 a 0, adiou a comemoração e caiu para o segundo lugar. Uma nova oportunidade surgiu na rodada seguinte contra o Funorte, mas o Verdão ficou apenas no empate. Com a vitória do América-TO sobre o Itaúna, a decisão foi para a última rodada.
O jogo do acesso
O panorama era o seguinte: um empate garantia a Caldense na divisão principal do estadual de 2010. A vitória poderia significar o título da competição, caso o Ipatinga não vencesse o América-TO. A torcida da Caldense compareceu em peso no Ronaldão para incentivar o Verdão. Logo no início da partida, aos dois minutos, o meia Luisinho mostrou que a tarde seria de glória e abriu o placar em chute frontal. Depois, aos 36, o atacante Walderi completou de cabeça a batida de escanteio no segundo pau e marcou o segundo para explodir de vez a nação alviverde.
A Caldense mandou de maneira absoluta no jogo, foram 16 finalizações contra 1 do adversário. A festa já estava armada, era questão de tempo. O árbitro apontou o centro do gramado, a Veterana venceu por 2 a 0 e carimbou o retorno à elite de Minas Gerais. No outro jogo, o Ipatinga fez 4 a 1 no América-MG e ficou com o título. Mas não importava, a Caldense se tornava vice-campeã com o melhor ataque, a melhor defesa e com os mesmos 43 pontos da equipe do Vale do Aço, atrás apenas no número de vitórias, 13 contra 12.
De volta à elite
O acesso estava garantido e a torcida alviverde entrou em campo para comemorar com os heróis aos gritos de “O meu verdão voltou!”. O capitão Fábio Paulista ergueu a taça, o presidente Laércio Martins se emocionou, os jogadores puxaram uma roda de samba, foram carregados nos ombros pelos torcedores, deram volta olímpica e vibraram muito. O momento simbolizou o retorno do maior campeão do interior à elite. Mas além disso, registrou na história do clube, o nome de inúmeros guerreiros, que derramaram muito suor para resgatar a credibilidade alviverde e colocar a Caldense no seu devido lugar, no topo.
“Após o jogo, desfilamos no caminhão do Corpo de Bombeiros pela cidade. Fomos recebidos com muita festa na Rua Marechal, no centro e na praça. Depois participamos de uma confraternização na sede do clube com familiares e amigos. Foi um acesso marcante, que abriu portas para muitos jogadores” – conta o centroavante Luiz Eduardo
“São lembranças muito boas que temos. Foi uma época onde equipes tradicionais disputaram o Módulo II. Mas nós trabalhamos com muita dedicação para colhermos os resultados. Foram jogos difíceis, contra bons adversários. Soubemos nos defender bem, levar poucos gols e ser eficientes lá na frente. Todos foram de parabéns pela campanha. É uma equipe que deixou saudades” – disse o técnico Alemão.
O atacante Walderi foi o artilheiro da equipe com oito gols e eleito pela torcida como o ídolo da galera. “Alcançamos um grande feito. A Caldense tem uma torcida exigente e conseguimos corresponder à expectativa de todos dentro de campo. Gostaria de agradecer aos torcedores pelo carinho em nome de todo o grupo” – comenta o jogador.
O legado
Fábio Paulista enaltece a importância da campanha para a sequência do clube. “Passamos por muitas dificuldades durante os dois anos de Módulo II. No começo ninguém acreditava na gente. Mas honramos a camisa da Caldense e os esforços foram reconhecidos. Graças ao nosso trabalho de 2009, hoje a Caldense se encontra em um patamar completamente diferente. Está tendo calendário no segundo semestre e disputando competições nacionais. Tenho certeza que no futuro alcançará feitos ainda maiores”.
Texto, entrevistas e pesquisa: Renan Muniz / Caldense